Por que amamos filmes bregas de Natal
É dezembro. Enquanto a cidade se enfeita de pinheiros de plástico, neve artificial e senhores barbudos usando pesados casacos vermelhos, nossas igrejas se enchem de menções ao tempo do Advento (direta ou indiretamente), corais em trajes festivos, e mesas abarrotadas de farofa e mousse de maracujá. Claro, também não faltam aqueles que — por motivos razoáveis, teológicos ou ideológicos (estas coisas podem se excluir) — não celebram o Natal. Mas, não vamos lidar com isso no momento. Vamos falar daqueles que, de alguma forma, gostam desse período e, a seu modo, o celebram.
O "seu modo" em questão varia de pessoa para pessoa, mas uma prática cada vez mais comum é assistir os "filmes de Natal". O que define um filme como filme de Natal é motivo de bastante discussão. Esqueceram de Mim é filme de Natal? (Sim). Meninas Malvadas? (Não). E Duro de Matar? (Sim). Homem-Aranha Sem Volta para Casa? (Não). E por aí vai. O fato do Natal ser mencionado não torna o filme natalino - assim como há quem defenda que Senhor dos Anéis como um todo é um filme de Natal. Mas isso é uma discussão para outro momento.
O que temos certeza é que há toda uma leva anual de filmes de Natal produzidos ou reproduzidos por serviços de streaming e canais de TV por assinatura. Alguns são mais complexos, com coreografia e participações musicais. Alguns tentam ser bíblicos. Mas há aqueles românticos, bem água com açúcar - a história básica do casal que se encontra após anos. Ou a menina comum que conhece um príncipe. Isso que estou chamando de "filmes bregas" é o que os americanos chamam de "filmes da Hallmark". Talvez essa cena de Ted Lasso represente bem a sensação de assistir um desses filmes:
Pessoalmente, eu gosto de um bom filme de Natal. Gosto de conhecer novos filmes, que trazem a temática de maneiras diferentes. Não importa se seja um filme infantil como Operação Presente ou um drama indicado ao Oscar - o último filme natalino que assisti foi Os Rejeitados. Eu também gosto de um não-tão-bom filme de Natal - se ele for Hallmark. Eu não sou fanático, não marco na agenda para assistir, mas eles são como um acidente atraindo nossos olhos para uma história batida e previsível. E, ainda assim, gostamos deles! Por quê? Qual é o fascínio que eles têm sobre nós? Humildemente, gostaria de propor algumas explicações.
1) Nostalgia
Primeiramente, esses filmes nos atraem pela nostalgia que trazem. Eles são verdadeiros fantasmas dos natais passados. Talvez seja o tema de voltar para casa, de se apaixonar - ou talvez apenas queremos sentir a emoção que sentimos com outros filmes durante o Natal. Como seres humanos, constantemente buscamos reviver sensações e eventos que nos marcaram positivamente. Há também o problema de, às vezes, tolamente vermos o passado como uma era de ouro, sem defeitos. Um sábio cantor português disse: "é sabido que a nostalgia é a nova pornografia". A Disney, por exemplo, fatura bilhões com as nossas memórias de infância transformadas em live-actions e bonecos de CGI. Podemos ficar viciados no passado.
Mas falemos sobre o lado bom da nostalgia. O Natal, em particular, nos transporta para um período quase edênico em nossas memórias - um tempo em que as preocupações parecem se dissipar. Não é à toa que Isaías, ao profetizar sobre o Reino vindouro, nos apresenta imagens de paz e harmonia que muito se assemelham ao Éden (Isaías 11.6-9). Claro, há violência e perigo na história original do Natal. Mas há alegria e celebração! Cristo é o novo Adão, afinal. Essa busca pela nostalgia não é apenas um exercício de memória afetiva, mas também uma expressão do nosso anseio pelo paraíso perdido, pelo tempo em que andávamos em comunhão perfeita com Deus no jardim. Os filmes natalinos, mesmo os mais simples, nos lembram que somos seres nostálgicos.
2) Conforto
Em filmes de Natal mais simples, há também o elemento do conforto. Nem sempre queremos ser desafiados intelectual ou emocionalmente - especialmente durante as festas. Não há problema nisso. Todo mundo precisa de um feriado, inclusive o coração. Mas é curioso ver que o Natal também traz consigo a promessa de consolo, algo que o próprio Cristo oferece quando diz " Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mateus 11.28). É claro que o conforto de Cristo é bem mais profundo que trocar orçamentos e planilhas por chocolate quente e Netflix. A ideia de descanso, contudo, está por trás da chegada de Jesus.
Ver um filme sem grandes surpresas é confortável porque traz familiaridade. E a ligação com "família" não é mera coincidência. No que já conhecemos e onde não precisamos nos mascarar — onde sentimos "estar em casa" — podemos encontrar esse conforto tão almejado. É justamente por não se sentirem em família que muitos desprezam o Natal. Os filmes da Hallmark, com suas histórias previsíveis e finais felizes garantidos, funcionam como um cobertor quente ou um escape da realidade - sabemos exatamente o que esperar, e há paz nessa certeza. É um conforto momentâneo? Sim. Mas, a boa notícia é que Cristo veio para reunir sua família perdida, como primogênito nos levando para casa.
3) Mudança
O poder transformador do Natal também não pode ser ignorado. Mesmo os filmes mais simples da Hallmark trazem essa mensagem de mudança - seja do solteiro empedernido que encontra o amor, ou da ` que redescobre o valor da família. É um eco distante, mas ainda assim presente, da verdadeira transformação que o nascimento de Cristo trouxe ao mundo. Paulo nos lembra que se alguém está em Cristo, é nova criação (2Coríntios 5.17), e de alguma forma, mesmo os não-cristãos reconhecem esse poder transformador da época. Talvez o Natal atraia porque ansiamos por essa mudança, mesmo sem entendermos exatamente a razão disso.
Não creio que seja por acaso que tantas histórias natalinas sigam o padrão de "conversão" ou arco de redenção, como vemos com Ebenezer Scrooge em Um Conto de Natal. Há algo profundamente teológico nessa ideia de que o Natal tem o poder de mudar corações. O exigente professor Hunham de Os Rejeitados não se torna um cristão (pelo contrário!), mas as datas festivas o obrigam a suavizar seus padrões rígidos. A data 25 de dezembro em si não tem poder, é claro. Mas, ignorando calendários, não foi o que aconteceu naquela primeira noite em Belém? Deus entrou na história humana e nada mais seria como antes.
4) "Magia"
Por fim, há um elemento que poderíamos chamar de "mágico" - embora não no sentido pagão do termo. Vivemos em um mundo desencantado, como diria o filósofo Charles Taylor, onde o transcendente parece cada vez mais distante ou ausente. O Natal, porém, nos lembra que existe algo além do que nossos olhos podem ver. Assim como os magos foram guiados por uma estrela a algo muito maior do que podiam imaginar, esses filmes, mesmo em sua simplicidade (às vezes até previsibilidade), apontam para uma realidade superior. Não é que acreditemos na "magia do Natal" dos comerciais de TV, mas sim que o Natal nos relembra da promessa de um mundo novo, onde Deus "com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus" (Apocalipse 21.3). Os elementos aparentemente mágicos desses filmes - coincidências aos montes, velhinhos mágicos disfarçados, milagres de última hora - são apenas sombras da verdadeira maravilha que é a encarnação, o momento em que Deus e homem se encontraram.
Esse é meu palpite. Mesmo reconhecendo suas limitações narrativas e às vezes até suas falhas óbvias, continuamos assistindo a esses filmes ano após ano. "Eles são péssimos, mas são ótimos". Eles nos servem como pequenos lembretes - imperfeitos, é verdade - do grande milagre que celebramos nesta época de fim de ano. Em um mundo cínico e beligerante, talvez precisemos mesmo desses momentos de simplicidade e conforto. C.S. Lewis diz que precisamos de histórias infantis não porque sejamos infantis, mas porque precisamos ser lembrados de coisas importantes da forma mais simples possível. Se isso é verdade, nosso final feliz é uma dessas coisas para serem lembradas.