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Mas toda teologia não é bíblica?

Mas toda teologia não é bíblica?
Photo by Priscilla Du Preez 🇨🇦 / Unsplash

Essa é uma pergunta válida! Afinal, “teologia bíblica” pode soar como algo óbvio, já que toda teologia deveria ser fundamentada na Bíblia, certo? Mas a teologia bíblica é uma abordagem específica e fascinante para entender a Bíblia como uma narrativa unificada e progressiva, onde Deus se revela de forma dinâmica ao longo da história. Para quem deseja aprofundar sua leitura das Escrituras e conectar o Antigo e o Novo Testamento, essa ferramenta é indispensável.

Para estudantes que estão entrando em contato com esse conceito pela primeira vez, este post será tanto uma introdução quanto uma breve exploração

Gerhard Vos: O Pai da Teologia Bíblica Moderna

Gerhard Vos, frequentemente considerado o pai da Teologia Bíblica Moderna, especialmente dentro da tradição reformada, estabeleceu as bases para esse campo. Vos destacou a importância de examinar como Deus se revela progressivamente por meio de eventos históricos e das Escrituras. Suas ideias permanecem cruciais para entender a relação dinâmica entre as ações de Deus e Sua Palavra.

Conceitos Centrais da Teologia Bíblica

1. Progressividade Histórica

Um dos aspectos fundamentais da Teologia Bíblica é o conceito de progressividade histórica. Esse princípio destaca que a revelação de Deus se desenrola gradualmente ao longo do tempo. Deus não revela tudo de uma vez; em vez disso, ele desdobra seu plano e propósito conforme a história avança.

Por exemplo:

  • No Antigo Testamento, o entendimento da natureza de Deus e de seus planos para a redenção começa com verdades fundamentais, mas carece da clareza plena que se vê no Novo Testamento.
  • Detalhes sobre o papel de Cristo como Salvador, a natureza da Trindade e as implicações completas da salvação são revelados de forma mais plena nos escritos do Novo Testamento.

Essa progressão significa que eventos e ensinamentos anteriores são esclarecidos e expandidos em passagens posteriores das Escrituras. Por exemplo, as epístolas, como Romanos, oferecem insights mais profundos sobre a salvação do que livros anteriores como 1 Samuel.

2. Revelação na História

A revelação de Deus está intrinsecamente ligada a eventos históricos. A Palavra de Deus não é uma coleção de princípios abstratos, mas uma resposta direta às Suas ações na história. Esses atos históricos, especialmente os centrados em Cristo, são tanto fundamentais quanto transformadores para a compreensão da salvação.

Considere como Deus agiu e falou na narrativa do Êxodo:

  • Quando Deus libertou os israelitas do Egito, Ele não os deixou especular sobre a natureza ou identidade de Seu Libertador. Em vez disso, revelou-Se explicitamente a Moisés, ao faraó e aos israelitas.
  • Por meio de Sua Palavra, Deus explicou Suas ações, clarificou Seu caráter e forneceu o significado teológico dos eventos.

Um dos princípios que aprendemos com a Teologia Bíblica é a unidade entre a Palavra de Deus e suas ações. Quando Deus age na história, ele também fornece uma Palavra para explicar essas ações. Essa unidade é evidente no Novo Testamento:

  • Cristo não apenas veio para salvar a humanidade, mas também designou apóstolos para articular o significado de Sua vida, morte e ressurreição.
  • Esses escritos conectam os eventos históricos da salvação com suas implicações espirituais e teológicas.

Essa abordagem da Teologia Bíblica nos lembra da importância do contexto histórico na interpretação das Escrituras. À medida que a revelação de Deus se constrói ao longo do tempo — ao lado de seus atos redentivos — quanto mais mergulhamos em sua Palavra, mais podemos apreciar o cumprimento e a riqueza de seu plano redentor. Cada camada de revelação se baseia no que veio antes, oferecendo uma compreensão coesa e abrangente da obra de Deus na história.

A Conexão Orgânica na Teologia Bíblica

Ao discutir a teologia bíblica, um ponto crucial é reconhecer que a revelação de Deus no Antigo Testamento não está isolada do que encontramos no Novo Testamento. Na verdade, elas estão organicamente conectadas — pense nisso como um único organismo vivo. O que "orgânico" significa nesse contexto é que não há rupturas abruptas ou inserções aleatórias; cada parte das Escrituras cresce a partir do que veio antes e está entrelaçada com isso. A história da redenção se desenrola progressivamente, de modo que, ao chegar ao Novo Testamento, já temos um rico pano de fundo de promessas, profecias e pactos do Antigo Testamento.

Essa unidade orgânica se torna imensamente prática quando buscamos compreender a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Os autores do Novo Testamento pressupõem que seus leitores tenham uma noção de tudo o que Deus já fez. Por exemplo, entender títulos de Jesus como Filho de Davi ou Filho de Abraão exige conhecimento sobre quem foram Davi e Abraão, por que seus papéis foram importantes e quais promessas lhes foram feitas. Da mesma forma, temas como pecado, sacrifício e aliança ganham mais clareza ao vermos como se desenvolvem desde os primeiros livros do Antigo Testamento, conduzindo-nos ao período do Novo Testamento. Em última análise, a resposta para como todas essas promessas e expectativas do Antigo Testamento encontram cumprimento está em Cristo.

Lendo a História Completa

Ler apenas o Novo Testamento ou apenas o Antigo Testamento de forma isolada é arriscar perder a riqueza do plano completo de Deus. Os cânticos, orações, profecias e mandamentos da Bíblia ganham ressonância mais profunda quando vistos à luz do que já foi revelado. É por isso que os cristãos recorrem aos Salmos para orientar suas orações ou à Lei do Antigo Testamento para compreender mandamentos que Cristo tanto cumpre quanto interpreta para Seu povo. Conceitos como Jesus ser Rei, Sacerdote ou Profeta derivam de ofícios e expectativas do Antigo Testamento, moldando como entendemos a identidade e a missão de Cristo.

Da mesma forma, a história de Israel — sua ascensão, a divisão do reino, o exílio e o retorno parcial — estabelece o cenário para os crentes do primeiro século que enfrentavam questões como: "Onde estão as bênçãos prometidas por Deus?" ou "Quando veremos, finalmente, um reino que nunca terá fim?" A resposta do Novo Testamento é consistentemente Jesus — Ele é o Messias que traz o cumprimento tão aguardado de tudo o que foi predito.

Implicações para Interpretação e Aplicação

Porque o Antigo e o Novo Testamentos estão organicamente conectados, devemos ser cautelosos ao descartar ensinamentos do Antigo Testamento apenas porque não são repetidos explicitamente no Novo. Tomemos como exemplo o mandamento do sábado. Alguns argumentam que o Quarto Mandamento não se aplica aos cristãos hoje porque não é ordenado explicitamente no Novo Testamento. Mas, se vemos a revelação bíblica como um todo unificado, reconhecemos que o padrão de descanso e adoração estabelecido desde cedo pode ainda ter relevância, mesmo que sua forma ou aplicação mude sob a Nova Aliança.

Essa abordagem não significa ignorar as formas como Jesus cumpre e, por vezes, transforma as instruções do Antigo Testamento. Em vez disso, insiste que as interpretemos à luz de sua relação orgânica com a totalidade das Escrituras. Em última análise, nosso objetivo é uma compreensão robusta da redenção que abrange de Gênesis a Apocalipse — uma teologia viva e coerente que nos aponta para a obra graciosa de Deus em Cristo e nos impulsiona à obediência fiel.

Conclusão

Em resumo, a teologia bíblica nos lembra que fazemos parte de uma grande narrativa, que começou no Antigo Testamento e culmina em Cristo. Reconhecer a conexão orgânica entre os dois Testamentos enriquece nossa leitura, aprofunda nossa adoração e nos ancora no pleno conselho da Palavra de Deus. Em vez de isolar uma seção das Escrituras da outra, vemos uma revelação viva e entrelaçada — uma que nos convida a maravilhar-nos com o modo como Deus agiu na história e a responder com obediência reverente e alegre.